ENTREVISTA CONCEDIDA POR DERMEVAL SAVIANI
A HELENA.HELENA DE SOUSA FREITAS,.DO JORNAL “LITERÁRIO”:
Literário - O que é ser professor hoje em dia (breve resumo de tarefas, emoções, entrega pessoal e profissional, flexibilidade horária e de carácter -, versatilidade, etc)?
Dermeval Saviani – O professor é antes de tudo um educador. Na
verdade, pode-se dizer que ele é um educador especializado; e isto,
em dois sentidos: num primeiro sentido, na medida em que seu âmbito
de atuação não é a educação em
geral mas a educação escolar; num segundo sentido, uma vez
que, no interior da escola, os professores assumem funções
que, de modo geral, decorrem de uma formação especializada.
Assim, nós temos os professores das séries iniciais do ensino
fundamental para cuja função requer-se uma formação
especializada ligada aos processos de alfabetização e ao
ensino das noções elementares da língua vernácula,
da matemática, das ciências naturais e das ciências
sociais (história e geografia); e temos, também, os professores
das demais séries do ensino fundamental e dos graus ulteriores,
isto é, o ensino médio e o ensino superior os quais, via
de regra, exercem funções ligadas ao ensino das diferentes
disciplinas que integram os currículos escolares. Mas, ainda que
exercendo funções específicas e especializadas, eles
têm em comum o fato de que desenvolvem ações ligadas
à formação das novas gerações ou à
qualificação das pessoas para exercerem determinadas profissões
requeridas pela sociedade. São, pois, educadores.
Ora, percorrendo a história da educação vamos
constatar que a trajetória do educador tem sido marcada, desde as
origens, pela desvalorização social de sua profissão
acompanhada, ao mesmo tempo, pela exigência, por parte da sociedade,
de que ele exerça a sua atividade com extrema dedicação.
Em suma, poderíamos dizer que a vida do professor sintetiza os dois
sentidos contraditórios encerrados na palavra paixão como
procurei assinalar no texto “Educação: paixão e compromisso”
publicado em Educação em Revista,
n.31, jun/2000, pp.43-59. Com efeito, paixão significa envolvimento
afetivo, amor profundo, entusiasmo muito vivo, dedicação
extremada a uma causa, compromisso radical carregado de afetividade. Mas
significa também padecimento, sofrimento. Ora, ser professor hoje
em dia envolve esses dois significados e, parece mesmo, que a própria
política governamental manifesta esse entendimento ao cobrar dos
professores extrema dedicação e responsabilizando-os pelo
fracasso escolar e, ao mesmo tempo, submentendo-os a condições
precárias de trabalho com salários aviltantes.Importa, pois,
que os professores estejam conscientes dessa situação contraditória
e se disponham a organizar-se e lutar
para mudar esse estado de coisas. Com efeito, a consciência dos
limites objetivos é o primeiro passo para superá-los de vez
que o meio em que atuamos, ao mesmo tempo em que nos coloca limites, fornece-nos
também os meios através dos quais nos cabe ultrapassar esses
limites. Concluo, pois, com as mesmas palavras com que encerrei o artigo
acima citado: Se a consciência dos condicionantes objetivos, ao mesmo
tempo que destrói o poder fictício, constrói um poder
efetivo, então resulta possível superar seja o otimismo ingênuo,
seja o pessimismo também ele ingênuo, em direção
àquilo que eu chamaria de entusiasmo crítico. Aí nós
ganharíamos, enfim, a possibilidade de abraçar apaixonadamente
a causa da educação, assumindo o compromisso de lutar pelas
condições objetivas a partir das quais se converterá
em verdade prática o processo de formação humana que
nos trará a suprema alegria de ver, com a contribuição
do nosso trabalho educativo, as crianças, todas as crianças,
crescerem em graça e sabedoria diante de si mesmas e de toda a humanidade.
Literário - A educação é o suporte da verdadeira Democracia? Ou a Democracia depende da educação/formação? Ou, por fim, ambas são verdadeiras?
Dermeval Saviani – Em meu entender a relação entre educação
e democracia se caracteriza pela dependência e influência recíprocas.
Ou seja, a democracia depende da educação para o seu fortalecimento
e consolidação e, vice-versa, a educação depende
da democracia para o seu pleno desenvolvimento pois, em meu entender, a
educação não é outra coisa senão uma
relação entre pessoas livres em graus diferentes de maturação
humana.
Literário - Uma resenha ao seu livro 'Escola e Democracia', elaborada por Ana Pires, uma professora de Camocim, no Ceará, e disponível em www.mcanet.com.br/rpires/literario/saviani.htm tem tido um elevado número de acessos. Como se sente por ter a sua obra a estudo no ensino? Qual tem sido a reacção dos estudantes a ela?
Dermeval Saviani – Realmente, para mim é um pouco surpreendente
a grande aceitação que têm tido os meus trabalhos do
que dão mostra as sucessivas reedições de meus livros
já que não os escrevo buscando aceitação mas
atendendo a uma necessidade sentida ao mesmo tempo interiormente, isto
é, pessoal, e exteriormente, ou seja, social, que implica a necessidade
de socializar para os demais a percepção que tenho dos problemas
educacionais assim como as possíveis soluções a que
tenho chegado a partir de meu trabalho pedagógico, de minhas pesquisas
e de minhas reflexões. Nessa linha de preocupações
tenho desenvolvido um trabalho sério e intenso e me empenhado em
traduzir a minha compreensão da educação numa linguagem
clara, isenta de ostentação erudita e de rebuscamento. Além
disso, a necessidade de se articular teoria e prática levou-me à
busca de alternativas, traduzidas na concepção que denominei
de pedagogia histórico-crítica cuja marca se define pela
tentativa de superar tanto os limites das “pedagogias não-críticas”
como das “teorias crítico-reprodutivistas”. Ora, ao que parece,
essa preocupação coincide com um anseio bastante generalizado
entre os educadores, o que talvez explique a boa acolhida que tiveram os
meus escritos. De fato, tenho sentido a reação positiva dos
estudantes através das inúmeras mensagens que recebo solicitando
dados biográficos e informações e esclarecimentos
sobre a minha concepção educativa. Na verdade, embora gratificante,
longe de me sentir lisonjeado com esse fenômeno, sinto aumentar o
grau de responsabilidade que recai sobre mim, obrigando-me a trabalhar
de forma cada vez mais séria e consistente.
Literário - O que mudaria no ensino no Brasil? Que expectativas ainda guarda para a educação no país? Será que a classe docente está desiludida e prestes a deixar de exigir melhores condições para leccionar?
Dermeval Saviani – Evidentemente, há muitas coisas que eu mudaria
na educação brasileira. Mas o ponto que considero mais importante
se refere à questão dos professores. Nesse sentido eu instituiria
a carreira docente com dedicação integral, definindo como
preferencial a jornada de 40 horas e, como alternativas, as jornadas de
30 e 20 horas semanais. Isso permitiria fixar os professores em determinada
escola dispondo de horas não apenas para as aulas mas também
para a sua preparação, para a orientação de
estudos dos alunos, para atendimento à comunidade e participação
na gestão da escola através de reuniões com a direção,
com o colegiado docente e com os pais e líderes comunitários.
Dispondo de condições adequadas de trabalho e salários
dignos os professores recuperariam a consciência da importância
de seu trabalho sendo estimulados a adquirir competência e pôr
em ação a sua criatividade e capacidade de iniciativa. Dessa
forma, atuando em apenas uma escola eles se identificariam com ela passando
a compartilhar dos problemas da comunidade em que a escola está
inserida, o que lhe permitirá responder com a sua qualificação
e responsabilidade profissional às necessidades não apenas
dos alunos mas também da própria comunidade. Com efeito,
o desânimo que hoje toma conta dos professores se deve ao fato de
que, tendo que trabalhar em condições precárias e
necessitando atuar em várias escolas para completar um número
de aulas que lhes permita receber um salário
menos vexatório, como poderão se identificar com as escolas,
participar de sua gestão e da vida da comunidade? No entanto, o
governo e a sociedade cobram deles essas ações e, na medida
em que isso não acontece, tendem a responsabilizá-los pelo
fracasso das reformas e das escolas, traduzido no insucesso dos alunos.
É claro que uma proposta como a que estou apresentando requer
um aumento considerável dos recursos orçamentários
destinados à educação. É por isso que, na discussão
do Plano Nacional de Educação, assumi a posição
de que o ponto de partida da formulação do Plano deveria
ser a duplicação imediata do percentual do PIB investido
em educação, tal como sintetizei num plano de emergência
nos seguintes termos: para fazer face ao atraso em que nos encontramos,
proponho a imediata duplicação do percentual do PIB investido
em educação, passando dos atuais 4% para 8%, o que apenas
nos colocaria no nível das nações que mais investem
em educação, como é o caso dos Estados Unidos, Canadá,
Noruega e Suécia que se situam na faixa entre 7,5 e 8,5%. Esses
países, no entanto, não têm o déficit que temos.
Portanto, a rigor, nós, para zerar o déficit, teríamos
que investir muito mais. Entretanto, penso que, a partir desse esforço,
teríamos chances de começar a tratar com seriedade os problemas
da educação, ganhando condições de resolvê-los
efetivamente. Por essa proposta, cada instância governamental teria
o dobro dos recursos de que hoje dispõe para a educação.
Assim, os municípios que, por força do chamado Fundão,
têm apenas 10% de seus recursos para investir em educação
infantil, passariam a ter 20%. Com isso, já começa a se tornar
viável a construção de uma ampla rede nacional de
educação das crianças de 0 a 6 anos, mantida e gerida
pelos municípios, com a orientação dos Conselhos Estaduais
de Educação. Para o ensino fundamental, em lugar dos atuais
15% dos recursos de Estados e Municípios, passaríamos a ter
o equivalente a 30%. Lançando mão do parágrafo único
do artigo 11 da LDB, que permite aos municípios a opção
de se integrar ao sistema estadual ou compor com ele um sistema único
de educação básica, será possível construir,
a partir dos Estados, um amplo sistema de ensino fundamental coordenado
nacionalmente. No caso do ensino médio teríamos o equivalente
a 20% dos recursos dos Estados, o que já permitiria que o objetivo
de universalização do ensino médio, previsto pela
Constituição Federal, deixasse o âmbito dos objetivos
remotos para se tornar viável a médio prazo. Com efeito,
cabe observar que, diferentemente do ensino fundamental que se compõe
de 8 séries, o ensino médio tem apenas 3. Quanto à
questão dos professores, considerando a determinação
do “Fundão” de que 60% dos recursos se destinem ao corpo docente,
a duplicação do percentual tornará exeqüível
a meta de implementar a jornada de 40 horas em uma única escola,
além de viabilizar a criação de uma espécie
de PICD da Educação Básica, semelhante ao que se fez
com o ensino superior, através da CAPES, viabilizando, assim, a
qualificação dos professores através de bolsas de
estudo para freqüentar cursos específicos nas universidades
públicas de melhor qualidade. Finalmente, em relação
ao ensino superior, a duplicação dos recursos permitirá
à União, com o montante dos recursos atuais, consolidar as
universidades federais além de manter sua rede de escolas técnicas.
Os recursos adicionais, da mesma magnitude dos atuais, poderiam ser divididos
em duas fatias: metade se destinaria à educação básica
para que a União possa cumprir a função de apoio técnico
e financeiro, suprindo as deficiências locais; a outra metade constituiria
um fundo por meio do qual seriam financiados projetos que engajariam fortemente
as universidades na realização das metas definidas no Plano
Nacional de Educação. Essa proposta consta do meu livro Da
nova LDB ao novo Plano Nacional de Educação, Campinas, Editora
Autores Associados, cuja primeira edição data de 1998. Tenho
clareza de que sua implantação não resolverá,
por si só, todos os problemas da educação brasileira.
Mas estou convencido de que é somente a partir dela que a solução
se tornará possível. Fora disso, todas as proclamações
em favor da educação não passarão de palavras
ocas e promessas enganosas, acobertadoras da falta de vontade política
para enfrentar decididamente o problema.
Literário - Na sua opinião, seria importante uma maior interligação entre as várias disciplinas - em especial entre as que são «parentes próximas» como Psicologia, Sociologia e Antropologia ou, na área Científico-Natural, Física, Química e Matemática - com vista a facilitar o estudo aos alunos? Ou, pelo contrário, uma aproximação maior entre as disciplinas e uma partilha de métodos entre os docentes poderia confundir os estudantes?
Dermeval Saviani – Em princípio, considero positivo o esforço
em se conseguir maior articulação entre as diversas disciplinas
que compõem o currículo escolar. Isso porque o aluno é
um todo e, como tal, deve ser formado integralmente, sendo as disciplinas
meios através dos quais se busca atingir aquele objetivo formativo.
O que se faz necessário é evitar que se traduza esse desejo
de interligação como uma mistura a qual, aí sim, confundiria
os alunos reforçando uma visão sincrética, isto é,
uma visão indiferenciada dos aspectos que constituem a realidade
que se quer compreender. Diferentemente disso, entendendo-se que a constituição
das disciplinas se deu pela diferenciação dos aspectos que
constituem o todo concreto, elas representam o momento analítico,
mais avançado, portanto, que a visão sincrética onde
se tinha a percepção do todo sem, porém, se compreender
os seus aspectos constitutivos. O que se faz necessário, então,
é que o ensino não se detenha nesse momento analítico
mas avance em direção ao momento sintético onde o
todo concreto é reconstituído como articulação
dos aspectos que o integram. Aí se chega à visão do
todo, agora, porém, não de forma confusa mas de maneira clara,
isto é, com consciência de suas partes constitutivas. É
nesse ponto que ocorre, propriamente, a aprendizagem, isto é, o
processo através do qual se passa da visão sincrética
à visão sintética pela mediação da análise.
Literário - O seu trajecto estudantil é repleto de mudanças temperado por saudade, tendo Dermeval Saviani transitado da inicial educação num seminário para a rebeldia académica face ao estado do país. O que resta em si desses dois alunos - do menino que existia aquando da formação primária e do jovem que se revoltou durante a formação superior?
Dermeval Saviani – Não vejo, propriamente, uma contradição
entre esses dois momentos. Na verdade, as condições sociais,
econômicas e culturais pelas quais passei em minha infância
e adolescência integram o processo que permitiu o meu amadurecimento
social, político e intelectual traduzido numa percepção
crítica da situação de meu país e na conseqüente
exigência de exprimir teoricamente a compreensão atingida
e atuar, como educador, em consonância com a teoria que venho construindo
e divulgando.
Literário - Hoje como no passado, os estudantes continuam a ser contestatários. Existe actualmente uma coerência entre as suas reivindicações e o conhecimento da realidade nacional que lhes permita actuar sobre os problemas e propor soluções?
Dermeval Saviani – É verdade que os jovens sempre tendem a contestar
a ordem vigente mas isso faz parte do processo de sua formação
para assumir, posteriormente, as tarefas de direção da sociedade
em substituição aos adultos que, cumprido o seu papel, serão
obrigados pela lei do desenvolvimento natural das espécies, a deixar
a cena histórica. Isso é normal quando se trata de uma ordem
social em desenvolvimento e dotada de relativa estabilidade. Nessas condições,
os chamados conflitos de gerações se limitam a aspectos superficiais
sem afetar a estrutura da sociedade. Quando se trata de uma ordem social
em crise e em processo de substituição por outra forma de
sociedade ou regime político, a sociedade se cinde entre aqueles
cujos interesses os levam a defender e tentar manter a ordem vigente e
aqueles que lutam para instaurar a nova forma social. Nesse caso, a tendência
dos jovens é de ficar com o lado progressista já posicionando-se
a favor daqueles que buscam mudar a ordem social. E isto é compreensível
porque os jovens, normalmente, representam o novo não tendo, enquanto
tais, interesse na manutenção do velho. Penso que é
isso o que levou o sábio cientista físico Max Planck a afirmar:
“As grandes idéias científicas em geral não conquistam
o mundo mediante a adesão de seus adversários, os quais terminariam
por convencer-se de sua verdade e por adotá-las. Sempre é
raro que um Saulo se converta em um Paulo. O que acontece é que
esses adversários acabam por morrer e a geração em
ascensão se educa no clima da idéia nova. Quem possui a juventude
possui o porvir”.
O problema que parece estar caracterizando o momento presente
é que a forma social própria do mundo atual está em
profunda crise e, nas atuais circunstâncias, ainda não se
delineou uma alternativa histórico-concreta à ordem vigente.
Nesse contexto as forças interessadas na manutenção
dessa ordem utilizam a derrocada do chamado “socialismo real” para incutir
a idéia de que a ordem vigente, se não é perfeita,
é a única possível. Os jovens ficam, assim, sem horizontes,
dividindo-se, basicamente, em três tipos: a) aqueles que, atraídos
pelas palavras de ordem repetidas insistentemente na mídia, se deixam
levar pelos apelos hedonistas refugiando-se no individualismo e na indiferença
moral; b) os que enveredam por uma saída mística, aderindo
a uma das muitas seitas religiosas que vêm proliferando a cada dia;
c)por fim, temos aquela parcela de jovens (infelizmente mas, compreensivelmente,
a minoria) que não desiste e busca participar dos diferentes espaços
onde se vislumbram possibilidades de alterar o estado de coisas vigente
e instaurar uma ordem mais justa, mais humana, na qual todas as pessoas
possam desenvolver suas potencialidades solidariamente com todos os membros
da sociedade.
Entendo que a situação descrita aumenta em muito
a nossa responsabilidade como educadores. Com efeito, penso não
ser apropriado cobrar coerência entre as reivindicações
dos jovens e o seu conhecimento da realidade a partir do qual eles possam
atuar sobre os problemas e propor soluções. Em verdade, a
responsabilidade de formular o conhecimento da realidade nacional e propor
soluções é mais nossa do que dos jovens cabendo-nos
a tarefa de, a partir desse conhecimento e das possíveis soluções
dele decorrentes, abrir aos jovens novos horizontes preparando-os para
produzir os próprios conhecimentos e agir em coerência com
eles.
Literário - O Professor Dermeval Saviani sempre tem defendido que um docente não deve limitar-se a repetir os conhecimentos compilados por outros sem nada acrescentar de seu, de analítico e crítico, que faça pensar os alunos. Na sua opinião, o método da simples passagem de conhecimentos (repetição) ainda é comum? Em que medida é que o mesmo pode levar ao desinteresse que muitos estudantes manifestam face às matérias curriculares?
Dermeval Saviani – Eu diria que a transmissão dos conhecimentos já compendiados e disponíveis para sua inserção nos currículos escolares não é negativa, em si. Com efeito, uma das funções da escola é, sem dúvida, possibilitar o acesso aos conhecimentos previamente produzidos e sistematizados. O problema é o caráter mecânico dessa transmissão, isto é, o fato dela ser feita desligada das razões que a justificam e sem que os professores disponham de critérios para discernir entre aqueles conhecimentos que precisam ser transmitidos e aqueles que não precisam. Isto abre espaço para sobrecarregar os currículos com conteúdos irrelevantes ou cuja relevância não é alcançada pelos professores, o que os impede de motivar os alunos a se empenhar na sua aprendizagem. É esta situação, a meu ver, que torna as matérias curriculares desinteressantes para os alunos os quais passam a considerar o ensino como algo enfadonho, uma obrigação carente de sentido da qual eles buscam livrar-se assim que possível. Penso que é exatamente na medida em que os professores conseguem lidar criticamente com os conhecimentos disponíveis, distinguindo entre o que é pedagogicamente relevante e o que não o é, que eles ganham condições de produzir seus próprios conhecimentos e, assim, o seu ensino deixa de ser mera transmissão incorporando também uma contribuição original.
Literário - De acordo com a sua biografia, para concluir os estudos viu-se obrigado a trabalhar enquanto frequentava a faculdade. Actualmente, muitos são os trabalhadores-estudantes que se vêem forçados a esta opção para se formarem. Enquanto docente, como encara as limitações horárias, de pontualidade e assiduidade destes alunos? Considera-se um professor compreensivo para com eles e para com as dificuldades que enfrentam?
Dermeval Saviani – Efetivamente, o professor deve estar atento às
condições em que seus alunos freqüentam a escola para
que possa fazer o inverso daquilo que normalmente acaba ocorrendo. Com
efeito, até mesmo pelas condições difíceis
em que realiza seu trabalho, a tendência do professor é estimular
os alunos que mais facilmente assimilam as suas lições, deixando
de lado aqueles que têm mais dificuldade. Ora, ao contrário
disso, penso que ele deveria se preocupar mais com os segundos e menos
com os primeiros, pois estes dependem menos do trabalho do professor do
que aqueles. Ou seja, os alunos que dispõem de condições
mais favoráveis, a partir de algumas orientações dadas
pelo professor avançam sem maiores percalços ao passo que
aqueles cujas condições são mais precárias
necessitam de um apoio mais efetivo do professor. No entanto, é
preciso ficar claro que a compreensão a que estou me referindo deve
ser entendida em termos propriamente pedagógicos e não, digamos
assim, psicológicos. Insisto nisso porque é muito comum que
a referida compreensão signifique fazer vistas grossas para as insuficiências,
tolerar as faltas, minimizar o esforço, o que, em suma, irá
implicar em ministrar aos alunos do noturno em relação aos
do diurno ou, de modo geral, aos alunos das camadas trabalhadoras em relação
àqueles das elites, um ensino de menor qualidade. Dessa forma se
estará, de fato, legitimando as desigualdades.
Literário - Muitas vezes confidentes dos alunos, os professores acabam por conhecer os principais problemas que afectam a classe estudantil. Quais as maiores dúvidas e os principais problemas relativos à escola, ao mundo do trabalho ou à vida pessoal (com influência sobre o rendimento escolar) dos estudantes com que trabalha?
Dermeval Saviani – Sob esse aspecto creio que minha experiência
não tem algo de significativo a acrescentar. Com efeito, os problemas
de que tive conhecimento a partir de confidências dos alunos, seja
em relação à escola, à vida profissional ou
à vida pessoal, foram aqueles comuns a todo educando, não
tendo chegado a exercer influxo significativo sobre o rendimento escolar.
Inegavelmente, dentre esses problemas, os mais freqüentes se referem
às incertezas quanto às possibilidades de ocupação
profissional.
Literário - Tendo trabalhado na área educativa fora do Brasil, conheceu diversos vários sistemas de ensino. Acredita que algum deles poderia ser «importado» para o Brasil e implantado com sucesso? Qual seria e que mudanças apresentaria face ao actual?
Dermeval Saviani – Embora seja corrente a afirmação de
que não cabe copiar modelos já que cada caso é um
caso, cada país é um país, a verdade é que
sempre se leva em conta a experiência dos outros e sempre se procura
adotar, de algum modo, o modelo considerado bem sucedido ou que tenha conseguido
maior divulgação e influência. Aliás, os estudos
de educação comparada surgiram no século XIX, exatamente
em função do interesse de se aproveitar a experiência
alheia como subsídio para a organização, pelos diferentes
países, dos seus sistemas nacionais de ensino. Por isso eram enviados
emissários a outros países com a finalidade de observar o
funcionamento do ensino, os quais retornavam com a obrigação
de apresentar relatórios dando conta do que foi observado e indicando
os elementos considerados positivos para serem incorporados à organização
dos respectivos sistemas de ensino. Ora, nesse processo, o que podemos
constatar é que o Brasil se guiou, inicialmente, pela experiência
européia, com destaque para a influência francesa. Entretanto,
a partir do início do século XX, observa-se um influxo crescente
da influência dos Estados Unidos. Ora, o modelo americano de ensino,
diferentemente daquele que predominou nos países europeus, considera
como função principal do ensino fundamental a socialização
das crianças ao passo que o modelo europeu enfatizava a função
de formação intelectual o que implicava a garantia de uma
base comum, mais ou menos homogênea, a partir da qual todos os cidadãos
podem participar, em condições de igualdade, da vida da sociedade
a que pertencem. Visando, pois, criar esse patamar comum centrado no domínio
dos elementos fundamentais da cultura letrada de base científica,
os principais países organizaram os sistemas nacionais de ensino
como instrumento para universalizar a escola básica (o ensino elementar)
e, por esse caminho, erradicar o analfabetismo.
Em contrapartida, nos Estados Unidos a precedência da função
de socialização das crianças atribuída à
escola básica levou a vincular as escolas às comunidades
próximas, isto é, aos municípios, dispensando-se um
sistema nacional e priviligiando-se, na avaliação da aprendizagem
das crianças, sua capacidade de relacionamento e interação
com as demais crianças ao passo que, no modelo europeu, a avaliação
implicava um sistema de exames destinado a aferir o grau de apreensão
dos conhecimentos elementares que caracterizam uma formação
intelectual correspondente ao domínio da cultura moderna entendida
como necessária a toda a população e, por isso, sendo
objeto de um ensino comum a todos.
Do ponto de vista do processo, o modelo americano levou a uma maior
diferenciação de iniciativas assim como à maior diversificação
das formas de gestão, enquanto o modelo europeu conduziu a uma maior
centralização das iniciativas e a uma forma de gestão
relativamente unificada cuja responsabilidade primordial se localizava
no Estado nacional.
Do ponto de vista dos resultados se verifica que o modelo europeu foi
capaz de garantir razoável coesão, assegurando um patamar
comum que permitiu homogeneizar o acesso à cultura letrada, o que
significou um razoável grau de igualdade de condições
de participação de todos na vida social. Já o modelo
americano resultou bem mais desigual, apresentando diversas distorções
que têm sido objeto de alerta das próprias autoridades políticas
e educacionais dos Estados Unidos e que volta e meia são divulgadas
através da imprensa.
Com efeito, de vez em quando nos deparamos com notícias em jornais
ou revistas dando conta de que nos Estados Unidos é comum ocorrer
que um significativo número de jovens cheguem a concluir o ensino
médio e até mesmo a ingressar na universidade sendo praticamente
analfabetos (os denominados analfabetos funcionais). Ora, essa é
uma situação inteiramente estranha aos países europeus.
Em verdade, nunca encontramos notícias semelhantes a respeito da
Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, França, Holanda, Inglaterra,
Itália, Noruega, Portugal, Suécia, Suiça, em suma,
dos países europeus de modo geral. Sem dúvida isso tem a
ver com a diferença de modelos que presidiu a organização
do ensino em um e em outro caso.
As observações feitas acima nos permitem aquilatar a
gravidade da situação em que nos encontramos. Na verdade,
considerando que nós sequer chegamos a universalizar a escola elementar,
a adoção do modelo americano potencializa enormemente as
conseqüências negativas detectadas nos Estados Unidos contribuindo
para aprofundar ainda mais a extrema desigualdade que é a triste
marca de nossa tradição histórica. Vê-se assim
que, se na Europa a influência do modelo americano pode ser até
benéfica, pois poderá contribuir para flexibilizar a forma
de um sistema já consolidado, no caso do Brasil, onde não
se conseguiu ainda implantar um sistema de ensino abrangente em âmbito
nacional, a referida influência resulta deletéria nos distanciando
ainda mais da meta de garantir a todas as nossas crianças a desejada
igualdade de acesso aos bens culturais.
À visto do exposto, posso responder diretamente à questão
formulada afirmando que eu não escolheria nenhum país para
efeitos de transplantar, para o Brasil, o seu sistema de ensino. No entanto,
se devemos nos inspirar em algum modelo para organizar e consolidar o nosso
sistema de ensino, eu daria preferência para aquilo que chamei de
“modelo europeu” ao invés daquele que vem sendo seguido atualmente
representado pelo “modelo americano”.
Literário - Quais as vantagens imediatas da criação do FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério)? E as que podem verificar-se a médio e longo prazo?
Dermeval Saviani – O “Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério”,
instituído através da Emenda Constitucional de número
14, de 12/09/96, regulamentada pela Lei 9.424, de 24/12/96, teve o inegável
mérito de chamar os municípios, além dos Estados,
ao cumprimento de suas responsabilidades constitucionais no tocante ao
ensino fundamental. Com isso, através de um mecanismo engenhoso,
reuniu 60% dos recursos que compõem o orçamento educacional
dos Estados e Municípios, destinando-os exclusivamente ao financiamento
do Ensino Fundamental. A partir daí foi fixado um custo mínimo
por aluno/ano como referência para a definição do piso
salarial dos professores o que permitiu que os salários dos professores
de muitos municípios, principalmente da região Nordeste,
tivessem uma sensível elevação configurando aquilo
que poderíamos considerar como “as vantagens imediatas da criação
do FUNDEF”.
No entanto, através da estratégia adotada na modificação
do artigo 60 das Disposições Transitórias da Constituição
Federal de 1988, o MEC conseguiu a proeza de assumir o controle da política
nacional do ensino obrigatório, sem arcar com a primazia de sua
manutenção. Ao contrário; ampliou a quota dos Estados,
Distrito Federal e Municípios (de 50 para 60%) e reduziu a sua parcela
(de 50 para 30%) no financiamento do ensino fundamental. E isto em caráter
compulsório porque a forma de constituição do Fundo
foi arquitetada de modo tal que os Estados e Municípios, caso não
operem de acordo com o mecanismo ali previsto, perderão aqueles
60%, isto é, 15% dos recursos das respectivas arrecadações
que, constitucionalmente, devem destinar à manutenção
e desenvolvimento do ensino.
Numa apreciação sintética, de caráter
conclusivo, cabe observar que, se essas medidas tinham o objetivo meritório
de distribuir melhor os recursos tendo em vista o financiamento do ensino
fundamental, elas se limitaram, no entanto, a regular a aplicação
de recursos já vinculados, não prevendo novas fontes de recursos
e, além disso, reduzindo a participação financeira
da União através da Emenda ao artigo 60 das Disposições
Constitucionais Transitórias. Como resultado, o custo mínimo
por aluno foi fixado em R$ 300,00 (trezentos reais), cifra irrisória
comparada com os valores praticados pelos países que lograram generalizar
o acesso e permanência no ensino fundamental. Trata-se, assim, de
um patamar que consagra o estado de miséria da educação
nacional, evidenciando a precária vontade política do atual
governo no enfrentamento dessa questão.
Por outro lado, a política educacional decorrente dessas medidas
acabou inviabilizando, em diversos municípios, a manutenção,
em quantidade e qualidade, de programas de educação infantil,
de educação especial e de educação de jovens
trabalhadores, especialmente naqueles municípios que, tendo em vista
a cobertura do Estado no âmbito do ensino fundamental, decidiram
investir seriamente nessas modalidades educacionais, sabidamente de grande
importância para as “crianças e adolescentes em situação
de risco social”, ironicamente aquelas supostamente privilegiadas pela
“política de estímulo” do MEC, conforme estipulado no artigo
catorze da Lei 9.424, que instituiu o FUNDEF: Art. 14 – A União
desenvolverá política de estímulo às iniciativas
de melhoria de qualidade do ensino, acesso e permanência na escola
promovidos pelas unidades federadas, em especial aquelas voltadas às
crianças e adolescentes em situação de risco social
(grifos meus).
Ao que parece, tal enunciado não passa de uma declaração
de intenção que mais mascara do que encaminha a solução
do problema. Com efeito, com uma taxa de R$ 300,00 por aluno-ano não
se resolve o problema do ensino fundamental, ao mesmo tempo que se “desincentivam”
iniciativas que vinham, reconhecidamente, apresentando resultados satisfatórios.
Assim, penso que, a médio e longo prazo, só poderão
resultar vantagens da instituição do FUNDEF se for alterada
a política econômica, permitindo o aporte de um montante mais
significativo de recursos para a educação alterando-se, assim,
também a política educacional que poderia tomar uma direção
semelhante, por exemplo, àquela indicada no “Plano de Emergência”
referido acima, na resposta à quarta questão desta entrevista.
Literário - A Internet é hoje entendida como um meio de divulgação e comunicação, cumprindo também funções educativas. Que opinião tem da gigantesca rede e como comenta a «exclusão» de tantos estudantes que continuam sem poder aceder-lhe?
Dermeval Saviani – Entendo que a Internet pode ser explorada como um
novo recurso pedagógico, de forma semelhante ao que se dava inicialmente
com as tabuinhas nas quais os alunos escreviam, substituídas pelos
cadernos onde os alunos anotavam as lições ditadas pelo professor,
situação essa que foi revolucionada com a descoberta da imprensa
que possibilitou a generalização do uso dos livros dando
origem aos “livros didáticos”, chegando, depois, ao rádio
e, principalmente, à televisão e, agora, aos computadores
e à Internet.Como um recurso pedagógico, ela se situa claramente
na esfera dos meios, podendo potencializar ampliando, em escala maior ou
menor, o alcance do ato educativo, mas não configura esse ato já
que a relação pedagógica é fundamentalmente
uma relação interpessoal que implica sempre o intercâmbio
entre educador e educando, entre professor e aluno através da mediação
de instrumentos dos mais diferentes tipos. Efetivamente, a Internet abre
amplas perspectivas de acesso às informações disponíveis
tanto sob o aspecto da rapidez quanto da quantidade e variedade das mesmas.
Mas, por isso mesmo, ela contém de tudo: coisas boas e ruins, elementos
preciosos e de excelente nível, mas também muito lixo. Assim,
para explorá-la adequadamente é necessário haver orientação.
E é aqui que entra a importância da educação
e da escola onde desempenham papel central os educadores, de modo geral,
e os professores, em particular. Certamente, é desejável
que a maioria, senão todos os estudantes tenham acesso à
Internet. Mas não podemos perder de vista que as responsabilidades
dos professores, longe de diminuir, aumentam proporcionalmente à
ampliação do acesso dos alunos a essa “gigantesca rede”.
Literário - Conhece o jornal O Literário (acessível
na Internet em
www.literario.com.br)? Considera que projectos como este são
positivos para a formação cultural de um cidadão?
Dermeval Saviani – De fato, antes de iniciar as respostas às
questões formuladas nesta entrevista, tive oportunidade de visitar
o “site” do jornal “Literário”. A meu ver, trata-se de uma iniciativa
meritória que deve ser estimulada, sendo desejável que esse
exemplo seja seguido por outras cidades deste nosso imenso país.
É claro que iniciativas como essa enfrentam também limitações
de vários tipos, desde a carência de recursos e de pessoal
no âmbito técnico até as dificuldades de ordem cultural
ligadas à luta para se contar com pessoal intelectualmente preparado
para dar conta das várias seções abrangidas pelo jornal.
No entanto, como assinalei na resposta à primeira pergunta, a situação
em que nos encontramos ao mesmo tempo que nos indica as carências,
os limites, também nos fornece os meios através dos quais
nós agimos sobre essa mesma situação procurando transformá-la
no sentido da superação de suas carências e limites.
Deixo, pois, minha palavra de incentivo aos editores do “Literário”
exortando-os para que mantenham o ânimo sempre firme não esmorecendo
diante dos obstáculos e levando avante essa iniciativa.
Literário - Imagine que passava em revista toda a obra que já produziu. Que texto mantinha como o escreveu e qual alterava (como e porquê)?
Dermeval Saviani – Confesso que, até mesmo por falta de tempo em razão das urgências de novos projetos que constantemente me proponho a realizar ou que me são insistentemente solicitados, ainda não procedi a um balanço da minha produção no sentido indicado no enunciado da pergunta. De modo geral, porém, penso poder adiantar que não teria muitas revisões a fazer e isso, basicamente, por duas razões. A primeira porque meus trabalhos, como toda obra, são datados. Assim, cabe considerá-los no quadro da época em que foram produzidos podendo variar o grau em que as contribuições neles contidas extrapolam o momento de sua produção mantendo-se válidas também para períodos subseqüentes, inclusive para o momento presente. Em segundo lugar porque, na medida do possível, tenho procurado utilizar o recurso dos prefácios às sucessivas edições para fazer observações adicionais e apontar eventuais alterações.
Literário - Pode adiantar-nos quais os seus projectos para o futuro imediato, a médio e a longo prazo, e se estes passam apenas pelo campo educacional?
Dermeval Saviani – Bem... os projetos são muitos e todos eles, de algum modo, passam pelo campo educacional, ainda que uns digam mais respeito a aspectos, digamos assim, profissionais e outros a aspectos da vida pessoal. No entanto, na resposta a essa pergunta, vou me limitar aos projetos ligados à minha condição de pesquisador que é o aspecto que decidi, a partir deste ano, priorizar no contexto de minhas atividades profissionais. No futuro imediato pretendo concluir, até julho do próximo ano, o projeto “História das Idéias Pedagógicas no Brasil”. A médio prazo, espero concretizar, entre 2002 e 2004, um projeto de investigação sobre o caráter educativo das máximas e provérbios. E a longo prazo, espero dar continuidade, a partir de 2005 de forma sistemática, ao projeto de dar fundamentação histórico-filosófica à proposta pedagógica por mim denominada de “pedagogia histórico-crítica”, através da retomada dos clássicos com destaque para aqueles que particularmente se debruçaram sobre os problemas da educação e da pedagogia.
Literário - Que mensagem deixa aos seus alunos, aos leitores
dos seus
textos, àqueles que o estudam e admiram o seu trabalho em prol
da
educação?
Dermeval Saviani – A mensagem que gostaria de deixar, ao termo desta entrevista, é, contra todo o desânimo e a falta de horizontes que nos atinge no momento presente, uma palavra de confiança no homem e na educação, uma mensagem, portanto, de esperança. Com efeito, pelo simples fato de eu continuar trabalhando e lutando no campo da educação, mantém-se viva a esperança, isto é, a confiança de que o homem é capaz de, desenvolvendo as suas potencialidades, superar suas limitações; e isto não apenas como indivíduo mas como espécie, o que significa que, como agente histórico, a humanidade é portadora do futuro, sendo capaz de transformar as condições em que vive na direção da realização de seus ideais. Não fosse assim, tivesse eu perdido a esperança, eu teria, por coerência, que abandonar o campo da educação e me dedicar a qualquer outra atividade. Para mim, um educador sem esperança é uma contradição lógica, um absurdo.